TERRITÓRIO GRANDE BOM JARDIM

Onde estamos

As 24 cozinhas comunitárias da Rede são localizadas e atuantes no Território Grande Bom Jardim (GBJ), região ao sudoeste da cidade de Fortaleza, Ceará, formado pelos bairros Bom Jardim, Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal e Siqueira, com uma população estimada de 225.210 habitantes, segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza, quase 10% da população da capital, sendo 70% da população é negra, sendo 65% parda e 5% preta, aponta o IBGE. Com classificação de muito baixo, os cinco bairros estão no ranking dos 12 piores IDH-bairro da capital cearense. O território soma 877 óbitos pela Covid-19, sendo 427 óbitos em 2020; 399, em 2021; 47, em 2022; e 04 óbitos em 2023 (SMS), o Grande Bom Jardim (GBJ) apresenta mais mortes pela doença que Sobral (780) e Juazeiro do Norte (768), e igual a Maracanaú (873), IntegraSUS, em 13.03.23.

Histórico Territorial *

O povoamento do Ceará deu-se um século depois da invasão lusitana no Brasil. Sua ocupação passou por tensões entre nações indígenas e colonizadoras. Entretanto, o território que hoje forma o Estado do Ceará era uma faixa de terra considerável entre o meio norte e a zona açucareira do litoral nordestino, sobretudo Pernambuco e hoje o Estado da Paraíba. A ocupação do Ceará segue a história dos seus ciclos econômicos. Reconhece-se senso comum entre os historiadores que a migração foi importante fenômeno na ocupação do solo cearense, a partir de duas vertentes: Ceará de dentro e Ceará de fora. No entanto, até o ciclo econômico do Algodão, o Estado não tinha ainda definido claramente qual era sua capital política. Foi o escoamento produtivo do cultivo do algodão que fez Fortaleza tomar feição de Capital e atrair um certo grupo social com força econômica e política.

Este breve contexto histórico pode caracterizar os rumos citadinos de Fortaleza no começo do século XX, período em que a República Federativa do Brasil consolidava-se internamente e a economia externa vislumbrava seu poderio de reservas de recursos primários.

A política desenvolvimentista implementou políticas públicas voltadas para o campo industrial e citadino. As secas no interior do nordeste brasileiro e a ausência da esfera pública neste espaço tiveram como consequência um processo migratório do campo para as cidades, apesar da existência de equipamentos federais para amenizar a situação do povo excluído no nordeste brasileiro, como nas demais regiões geo-econômicas administrativas do Brasil.

Neste contexto, a urbanização da cidade de Fortaleza poderia, assim, ser considerada produto da implementação de uma política industrial e urbana conjuntamente a uma desassistência político-administrativa da população rural. Foi a partir, sobretudo, de 1950 que Fortaleza passou a receber uma demanda populacional advinda do interior do estado, tendo uma contingência mais expressiva na década de 1960, como pode ser percebido nos relatos de estudiosos da Cidade bem como em estudos realizados pelo GPDU.

O Grande Bom Jardim foi no início do século XX uma região de grandes propriedades rurais privadas, característica da ocupação do território cearense. Isto demonstra a cultura agrária na formação da população de Fortaleza, sobretudo a geração de 1950/60, emigrada do interior do Ceará. Neste contexto, tem-se na história da região a fazenda Boa Vista, dentre outras, que desenvolveu uma cultura de compadrio, fazendo surgir pequenas comunidades agregadas. Por conseguinte, a atividade econômica destas fazendas da região era vocacionada para a criação de gado e agricultura de subsistência.

O local era agradável, com bastante árvores e inacessível ao centro da cidade. Segundo a moradora da rua João XXIII, uma das entrevistadas pela pesquisa na Granja Portugal, em 1969 só existia uma linha de ônibus para atender aquela comunidade. Esta linha fazia, diariamente, somente três viagens ao centro da cidade de Fortaleza. Outro elemento da paisagem do Grande Bom Jardim que merece destaque é o rio Maranguapinho, conhecido na região como

Siqueira/Maranguapinho, poluído pelas indústrias do entorno bem como da ocupação desordenada a que vem sendo submetida a região. Os relatos orais de moradores sinalizam que a poluição deu-se a partir de 1979.

[…] “é que uma coisa que ficou na minha lembrança

é que assim [..] .o Rio Siqueira. Ele não tinha a

poluição que ele tem hoje. Ele era um ponto turístico.

Era tanta gente no dia de domingo, que era […] quer

fazer piquenique às margens do Rio Siqueira”.

(Debatedora de um grupo focal no Grande Bom

Jardim, residente na localidade desde 1969).

Há indícios de que na região havia índios que, além da atividade agrícola, viviam do artesanato, retirando da natureza os instrumentos de trabalho. Presume-se que hoje essa população indígena esteja miscigenada com os demais grupos que ocuparam aquele lugar. Guardam-se como pistas investigativas sobre a influência da cultura indígena no GBJ trabalhos manuais como artefatos em barro e coco em comunidades específicas da região e o próprio nome do bairro Siqueira, como especulam os moradores.

Antigos moradores, marcadamente, Pedro Rocha e Lourival Bezerra, relatam que os habitantes moravam em casas de taipa, como hoje ainda são encontradas. Não obstante a sua urbanização, percebe-se que o GBJ ainda preserva espaços com características rurais, sobretudo nos bairros Siqueira e Granja Lisboa.

A partir de 1950, os proprietários de fazendas colocaram as terras à venda. Presume-se que questões familiares tenham propiciado a partilha dos bens. Os proprietários de terras na década de 1960 submeteram seus patrimônios a loteamentos. A venda das terras pelas imobiliárias coincide com a chegada de retirantes sertanejos. Os lotes eram a preços razoavelmente acessíveis.

Entre 1950 e 1960, a taxa de crescimento populacional na cidade de Fortaleza foi de quase 100%, revertendo no aparecimento de núcleos absolutamente desprovidos de infraestrutura básica e espalhados pela periferia (Barreira, 1996). A concentração industrial, nas áreas urbanas não planejadas, atraiu uma demanda populacional, expulsa do campo ora por questões políticas ora por questões climáticas. Por outro lado, mesmo com intervenção do Governo Federal, no final da década de 1950, com a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste/SUDENE, por exemplo, os problemas urbanos não foram evitados. Além do mais, intervenção como esta não teve um planejamento para uma atuação contínua nas gestões da política brasileira ao longo dos anos.

Os grupos populacionais que vinham do interior do Estado fizeram crescer o número de moradores dos bairros que compõem o Grande Bom Jardim, sobretudo aqueles atingidos pelo êxodo rural na grande estiagem ocorrida entre 1979-1984, somado ao não planejamento urbano e ausência de políticas públicas que minimizassem os efeitos decorrentes deste estado de coisa.

Hoje, o Grande Bom Jardim é composto por cinco bairros distintos: Bom Jardim, Canindezinho, Siqueira, Granja Lisboa e Granja Portugal. A nomeação dos bairros do GBJ aconteceu conforme a relação dos primeiros moradores com a natureza, pessoas e fatos. O nome Bom Jardim adveio das áreas verdes da propriedade do senhor João Gentil; Granja Portugal, pela propriedade de um senhor de nacionalidade portuguesa, chamado José Portugal. Diziam que ele tinha uma granja. Então, ficou registrado como bairro Granja Portugal; Canindezinho, pela analogia entre localidades que tinham como padroeiro São Francisco de Assis. Canindé fica a 120km de Fortaleza, então, Canindé Grande é uma localidade às margens da estrada General Osório de Paiva, denominada Canindé Pequeno. Assim, surgia o nome Canindezinho. Siqueira, segundo relatos de moradores, presume-se que tenha uma origem indígena.

Entretanto, esses bairros possuem várias localidades que são consideradas pelos moradores, em muitos casos, como bairros: Parque Santa Cecília, Parque São Vicente, Parque Santo Amaro, Belém, Novo Mundo, Parque Jerusalém, Jardim Jatobá, Comunidade Nazaré, Parque São João, Sumaré, Santa Luzia, Nossa Senhora Aparecida e Inferninho, entre outras. A nomeação destas comunidades citadas acima ou foi iniciativa das imobiliárias ou foi fruto das atividades pastorais das Comunidades Eclesiais de Base da década de 1980. Algumas outras localidades, como Sete de Setembro, Oito de Dezembro, Nova Canudos, Marrocos e Pantanal são exemplos de assentamentos que se constituíram na década de 1990, o que parece sugerir que o grande Bom Jardim encontra-se em processo de urbanização.

A partir dos anos 1990, a região do Grande Bom Jardim vem procurando acompanhar o ritmo das mudanças ocorridas em Fortaleza, que se transforma a cada dia em uma das capitais brasileiras mais bem aparelhadas para investimentos locais, nacionais e internacionais, tornando-se, conseqüentemente, destino altamente requisitado por turistas do Brasil e do exterior. Mas, mesmo com esta configuração, a cidade é palco de uma das mais violentas desigualdades sociais do mundo, algo que se alastra em sua área urbana de 336 km², com 144 bairros e seis Secretarias Executivas Regionais – SERs. Nesse contexto a região do GBJ se apresenta como espaço desprivilegiado entre os demais bairros devido à sua localização periférica, distante das áreas consideradas nobres, para onde a administração municipal e, inclusive, estadual se dedica com maior afinco por ser espaço de interesse para o turismo e, conseqüentemente, possibilidade de lucratividade para o governo.

Estigmatizada como região pobre, o GBJ arrasta consigo também a denominação de zona violenta, já que violência e pobreza são sempre postas no mesmo patamar como se realmente uma fosse decorrência da outra.

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